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Diário de bordo. Vale do Capão - 10.03.21 - 20:27 | Hoje eu queria me cercar de palavras.

Foto do escritor: Bruna SalattaBruna Salatta

Atualizado: 11 de mar. de 2021

Hoje eu queria me cercar de palavras. Sentar com todas elas num abraço coletivo e quente. Vê-las organizando um ritual de cura ao meu redor, girando em círculos até me embrulharem feito um manto, que do lado de fora faz quem tá dentro ficar invisível e faz quem tá dentro conseguir enxergar tudo o que sente, tão claro quanto meus antepassados mais distantes conseguiam navegar pelos mares se guiando pelas estrelas. Esse monte de ponto de luz num rio escuro e infinito que ajuda a enxergar os caminhos. Assim são as palavras.


Hoje eu queria ver todas elas espalhadas no chão da sala, para dançar com todas as duplas e casais poligâmicos que juntas podemos formar enquanto outras nos assistem rindo, esperando o momento certo de entrar e criar um novo ritmo para os nossos passos.

Até outro dia eu fazia isso tudo com linhas, agulhas e tecidos e era brincando com todas as tentativas de composições que eu ia sentindo o sentido da minha existência. Porque até um tempo atrás, essas três coisinhas eram tudo o que eu tinha e juntas elas me proporcionavam impossibilidades e gozo. Juntas criávamos realidades enfeitadas de cores cintilantes e miçangas. Hoje tudo o que tenho


são palavras para colorir o que vejo. As três coisinhas ainda não sei se ficaram no passado ou me esperam enxerga-las de volta, como se estivessem aqui no meio de nós mas um tanto escondidas porque tem uma música diferente tocando agora e com ela me sinto distraída vencendo. Eu também não sei porque cargas d'água tenho essa mania de pegar tudo o que sinto e deixar mais bonito. As coisas do jeito que são não me bastam. Cru, liso, sem cor... não sou de minimalismos. Mas também sinto que nunca joguei baldes de tintas coloridas na parede por manter as mãos ocupadas, agarradas às do medo de me enjoar no instante seguinte.

Hoje eu queria uma conversa franca com a gramática, porque agora tudo o que eu tenho são palavras e usa-las é soltar o grito que atravessa a manifestação. Quando você deseja pelas vísceras que sejam encontradas por alguém. E fundidas. E que causem big bangs. E veja no meio da multidão cinza uma nova natureza nascendo. Feito um sol se pondo em baixo do mar que faz emergir entre o azul e o amarelo as palavras: você está salva. Hoje, tudo o que tenho, são as palavras.


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